
Professores e gestores escolares enfrentam diariamente o desafio de manter os alunos engajados, construir um ambiente de respeito mútuo e lidar com a indisciplina. Diante dessa complexidade, é comum associar a gestão da sala de aula a uma busca constante por controle. No entanto, uma abordagem mais eficaz e saudável propõe uma transição fundamental: sair de um modelo baseado no controle externo para uma prática de co-regulação. Esta abordagem, fundamentada em conceitos da neurociência e em práticas pedagógicas colaborativas, não apenas promove a autonomia dos estudantes, mas também cultiva um ambiente de aprendizagem mais seguro, respeitoso e propício ao desenvolvimento integral de todos.
A gestão da sala de aula é frequentemente associada apenas à disciplina, uma visão reducionista que ignora sua complexidade. Segundo o educador Celso Vasconcelos, é preciso ressignificar o conceito de disciplina: em vez de associá-la a silêncio e punição, devemos entendê-la como a organização da coletividade para um fim comum, que é a aprendizagem. A gestão da sala de aula é, na verdade, uma competência síntese que articula três dimensões interdependentes: a disciplina, o trabalho com o conhecimento e o relacionamento interpessoal. Quando o foco recai exclusivamente sobre o controle externo exercido pelo professor, surgem limitações significativas que comprometem a formação do aluno.
As principais desvantagens de um modelo focado exclusivamente no controle são:
Sobrecarga docente: O professor, sobrecarregado com as demandas da turma, não dispõe de tempo suficiente para monitorar de forma contínua e individualizada o comportamento de cada estudante.
A jornada para a co-regulação começa com o educador. Antes de poder ajudar os alunos a gerenciar suas emoções, o professor precisa desenvolver seu próprio “letramento emocional”, que, como define a professora Carolina Campos, é a capacidade de identificar e nomear os próprios sentimentos.
Um conceito central para esse processo é a “janela de tolerância”, a zona de equilíbrio onde nosso sistema nervoso consegue lidar com o estresse de forma adaptativa e funcional. Situações extremas, muito comuns no ambiente escolar, podem nos tirar dessa janela, levando a estados de desmotivação profunda ou ansiedade intensa.
Quando um professor se sente sobrecarregado ou com raiva, é crucial que ele possua estratégias para retornar à sua janela de tolerância. Carolina Campos sugere três técnicas imediatas para desviar o foco da emoção e restabelecer o equilíbrio:
Essas técnicas são eficazes porque ativam o córtex pré-frontal, a parte do cérebro responsável pelo pensamento lógico e pelo controle de impulsos, ajudando a diminuir a atividade da amígdala, o centro das respostas emocionais reativas. É, literalmente, usar a razão para acalmar a emoção.
Nesse processo, a autocompaixão é uma aliada essencial. Reconhecer os próprios limites e sentimentos sem julgamento é fundamental para que o educador possa criar um ambiente escolar mais saudável para si e para seus alunos.
Uma vez que o educador possui ferramentas para se manter em sua própria janela de tolerância, ele está apto a dar o próximo passo: atuar como um agente de co-regulação, servindo de porto seguro para o caos emocional de seus alunos.
A co-regulação é um processo de apoio, interativo e dinâmico. Por meio de interações calorosas e receptivas, o professor ajuda os alunos a aprenderem a regular suas próprias emoções diante dos desafios e frustrações da vida. É a ponte que conecta a regulação externa do adulto à autorregulação da criança.
Como nos disse uma educadora, o professor pode “emprestar sua maturidade, olhando para um aluno que está muito nervoso e levando a sua calma para o caos do estudante”. Este ato de compartilhar a calma e a estabilidade emocional é o cerne da co-regulação. Em vez de apenas impor uma regra, o educador modela a regulação emocional e oferece o suporte necessário para que o aluno, com o tempo, desenvolva essa capacidade internamente.
Compreender a co-regulação como um “empréstimo” de calma é o primeiro passo. Mas como isso se materializa no calor do momento, diante de um conflito real? O roteiro a seguir traduz a teoria em ação.
Implementar a co-regulação requer intencionalidade e prática. O guia a seguir oferece um roteiro para professores aplicarem essa abordagem no dia a dia.
A segurança é a base para a regulação emocional. Os estudantes se beneficiam de um ambiente estruturado e previsível. Para isso, é fundamental estabelecer um “contrato didático” ou “combinado”. Esse acordo deve ser construído coletivamente com os alunos, definindo expectativas e responsabilidades claras para todos. Além disso, a manutenção de rotinas consistentes no dia a dia da sala de aula oferece uma sensação de segurança que ajuda os estudantes a se sentirem mais equilibrados e preparados para aprender.
Quando um aluno está visivelmente desregulado – frustrado, com raiva ou ansioso –, a forma como o professor intervém é definidora. O processo pode ser dividido em quatro ações:
A intervenção descrita acima é um exemplo clássico de co-regulação – o adulto oferece o suporte externo para que a criança retorne ao equilíbrio. Contudo, o objetivo final não é que o professor seja sempre necessário. O propósito da co-regulação é servir de modelo e andaime para que, com o tempo, o próprio Eric possa desenvolver as ferramentas de autocontrole que o tornarão autônomo em sua regulação emocional.
Para construir essa ponte para a autonomia, os professores podem ensinar explicitamente os procedimentos de autocontrole, transformando os alunos de receptores de ajuda em agentes de sua própria calma. À medida que internalizam o suporte recebido, eles se tornam capazes de gerenciar o próprio comportamento de forma independente. Existem procedimentos práticos que podem ser ensinados diretamente aos estudantes para acelerar esse processo:
O professor não pode e não deve realizar esse trabalho sozinho. A gestão da sala de aula está diretamente ligada à gestão da escola como um todo. É fundamental que exista uma parceria sólida com a equipe gestora e com as famílias.
Conforme aponta a especialista Heloísa Lück, a equipe gestora deve atuar de forma participativa e integradora, fornecendo diretrizes claras, suporte prático e os recursos necessários para que os professores tenham respaldo institucional em seu trabalho.
Da mesma forma, envolver as famílias é indispensável para criar uma rede de apoio coesa. Alinhar expectativas por meio de uma comunicação aberta e convidar os responsáveis para participar de atividades escolares fortalece a conexão entre casa e escola, o que é essencial para o desenvolvimento integral e o bem-estar dos estudantes.
A transição do controle para a co-regulação representa mais do que uma mudança de estratégia; é uma transformação na cultura da sala de aula que beneficia a todos. Ao priorizar o relacionamento, a empatia e o ensino de habilidades socioemocionais, criamos as condições para que os alunos se tornem não apenas mais disciplinados, mas também mais autônomos, resilientes e conscientes. Essa abordagem não só melhora o engajamento e a aprendizagem, mas transforma o ambiente escolar em um espaço mais acolhedor, respeitoso e verdadeiramente inspirador para o crescimento de alunos e educadores.
Instituto Significare © 2022 Todos os Direitos Reservados