Gestão da Sala de Aula 2026: Como Sair do Controle para a Co-regulação

Professores e gestores escolares enfrentam diariamente o desafio de manter os alunos engajados, construir um ambiente de respeito mútuo e lidar com a indisciplina. Diante dessa complexidade, é comum associar a gestão da sala de aula a uma busca constante por controle. No entanto, uma abordagem mais eficaz e saudável propõe uma transição fundamental: sair de um modelo baseado no controle externo para uma prática de co-regulação. Esta abordagem, fundamentada em conceitos da neurociência e em práticas pedagógicas colaborativas, não apenas promove a autonomia dos estudantes, mas também cultiva um ambiente de aprendizagem mais seguro, respeitoso e propício ao desenvolvimento integral de todos.

O Paradigma do Controle e Seus Limites

A gestão da sala de aula é frequentemente associada apenas à disciplina, uma visão reducionista que ignora sua complexidade. Segundo o educador Celso Vasconcelos, é preciso ressignificar o conceito de disciplina: em vez de associá-la a silêncio e punição, devemos entendê-la como a organização da coletividade para um fim comum, que é a aprendizagem. A gestão da sala de aula é, na verdade, uma competência síntese que articula três dimensões interdependentes: a disciplina, o trabalho com o conhecimento e o relacionamento interpessoal. Quando o foco recai exclusivamente sobre o controle externo exercido pelo professor, surgem limitações significativas que comprometem a formação do aluno.

As principais desvantagens de um modelo focado exclusivamente no controle são:

  • Generalização limitada: As habilidades de comportamento aprendidas sob supervisão constante podem não ser transferidas pelos alunos para outros ambientes onde o professor não está presente.
  • Dependência do professor: O educador pode se tornar uma condição indispensável para o comportamento adequado do aluno, o que impede o desenvolvimento de sua autonomia e independência.

Sobrecarga docente: O professor, sobrecarregado com as demandas da turma, não dispõe de tempo suficiente para monitorar de forma contínua e individualizada o comportamento de cada estudante.

O Ponto de Partida é o Professor: Autoconhecimento e Regulação Emocional

A jornada para a co-regulação começa com o educador. Antes de poder ajudar os alunos a gerenciar suas emoções, o professor precisa desenvolver seu próprio “letramento emocional”, que, como define a professora Carolina Campos, é a capacidade de identificar e nomear os próprios sentimentos.

Um conceito central para esse processo é a “janela de tolerância”, a zona de equilíbrio onde nosso sistema nervoso consegue lidar com o estresse de forma adaptativa e funcional. Situações extremas, muito comuns no ambiente escolar, podem nos tirar dessa janela, levando a estados de desmotivação profunda ou ansiedade intensa.

Quando um professor se sente sobrecarregado ou com raiva, é crucial que ele possua estratégias para retornar à sua janela de tolerância. Carolina Campos sugere três técnicas imediatas para desviar o foco da emoção e restabelecer o equilíbrio:

  1. Desviar o foco da emoção: Simplesmente olhar ao redor da sala de aula, observando objetos e pessoas, pode ajudar a quebrar o ciclo da emoção intensa.
  2. Ativar o cognitivo: Realizar uma tarefa lógica, como contar de trás para frente, força o cérebro a usar o córtex pré-frontal, ajudando a regular a resposta emocional.
  3. Engajar os sentidos: Focar em identificar cores, formas e sons no ambiente ajuda a ancorar a atenção no presente, afastando-a do gatilho emocional.

Essas técnicas são eficazes porque ativam o córtex pré-frontal, a parte do cérebro responsável pelo pensamento lógico e pelo controle de impulsos, ajudando a diminuir a atividade da amígdala, o centro das respostas emocionais reativas. É, literalmente, usar a razão para acalmar a emoção.

Nesse processo, a autocompaixão é uma aliada essencial. Reconhecer os próprios limites e sentimentos sem julgamento é fundamental para que o educador possa criar um ambiente escolar mais saudável para si e para seus alunos.

Uma vez que o educador possui ferramentas para se manter em sua própria janela de tolerância, ele está apto a dar o próximo passo: atuar como um agente de co-regulação, servindo de porto seguro para o caos emocional de seus alunos.

Co-regulação: A Ponte entre o Professor e a Autonomia do Aluno

A co-regulação é um processo de apoio, interativo e dinâmico. Por meio de interações calorosas e receptivas, o professor ajuda os alunos a aprenderem a regular suas próprias emoções diante dos desafios e frustrações da vida. É a ponte que conecta a regulação externa do adulto à autorregulação da criança.

Como nos disse uma educadora,  o professor pode “emprestar sua maturidade, olhando para um aluno que está muito nervoso e levando a sua calma para o caos do estudante”. Este ato de compartilhar a calma e a estabilidade emocional é o cerne da co-regulação. Em vez de apenas impor uma regra, o educador modela a regulação emocional e oferece o suporte necessário para que o aluno, com o tempo, desenvolva essa capacidade internamente.

Compreender a co-regulação como um “empréstimo” de calma é o primeiro passo. Mas como isso se materializa no calor do momento, diante de um conflito real? O roteiro a seguir traduz a teoria em ação.

Roteiro Prático para a Co-regulação em Sala de Aula

Implementar a co-regulação requer intencionalidade e prática. O guia a seguir oferece um roteiro para professores aplicarem essa abordagem no dia a dia.

Passo 1: Construa uma Base Sólida e Previsível

A segurança é a base para a regulação emocional. Os estudantes se beneficiam de um ambiente estruturado e previsível. Para isso, é fundamental estabelecer um “contrato didático” ou “combinado”. Esse acordo deve ser construído coletivamente com os alunos, definindo expectativas e responsabilidades claras para todos. Além disso, a manutenção de rotinas consistentes no dia a dia da sala de aula oferece uma sensação de segurança que ajuda os estudantes a se sentirem mais equilibrados e preparados para aprender.

Passo 2: Diante do Conflito ou Desequilíbrio Emocional

Quando um aluno está visivelmente desregulado – frustrado, com raiva ou ansioso –, a forma como o professor intervém é definidora. O processo pode ser dividido em quatro ações:

  1. Faça uma pausa e autorregule-se: A primeira e mais importante ação do adulto é respirar fundo e acalmar as próprias emoções. Antes de ajudar a criança, o professor precisa estar em sua própria janela de tolerância para não reagir impulsivamente ao caos.
  2. Valide o sentimento do aluno: Aproxime-se com calma e reconheça a emoção do estudante sem julgamentos. Uma frase como: “Posso perceber o quão frustrado você está com esta tarefa” mostra empatia e comunica ao aluno que seu sentimento é legítimo.
  3. Ofereça suporte e acolhimento: Um gesto simples, como colocar a mão no ombro do aluno, ou uma sugestão de pausa, como “vamos pegar um copo de água”, pode ajudar a criança a sair do estado de crise. O objetivo é oferecer um suporte concreto para que ela possa se acalmar.
  4. Busque a solução em conjunto: Uma vez que o aluno esteja mais calmo, é o momento de dialogar sobre o que aconteceu. A conversa pode ser sobre como resolver o conflito com um colega ou como reavaliar a tarefa que causou a frustração. O foco é a resolução colaborativa do problema, não a punição.

A intervenção descrita acima é um exemplo clássico de co-regulação – o adulto oferece o suporte externo para que a criança retorne ao equilíbrio. Contudo, o objetivo final não é que o professor seja sempre necessário. O propósito da co-regulação é servir de modelo e andaime para que, com o tempo, o próprio Eric possa desenvolver as ferramentas de autocontrole que o tornarão autônomo em sua regulação emocional.

Ensinando o Autocontrole: Ferramentas para a Vida

Para construir essa ponte para a autonomia, os professores podem ensinar explicitamente os procedimentos de autocontrole, transformando os alunos de receptores de ajuda em agentes de sua própria calma. À medida que internalizam o suporte recebido, eles se tornam capazes de gerenciar o próprio comportamento de forma independente. Existem procedimentos práticos que podem ser ensinados diretamente aos estudantes para acelerar esse processo:

  • Autoavaliação: Ensinar o aluno a verificar seu próprio comportamento com base em um objetivo específico. Ele aprende a se perguntar: “Eu consegui atingir a meta que estabelecemos?”.
  • Automonitoração: Consiste em treinar o aluno para registrar objetivamente a frequência de um determinado comportamento. Por exemplo, ele pode anotar em uma folha quantas vezes conversou fora de hora durante uma aula, o que aumenta sua consciência sobre suas ações.
  • Autoinstrução: É a habilidade de “falar consigo mesmo” de forma encoberta para guiar as próprias ações. Uma estratégia eficaz é a do “PARE e PENSE”, na qual o aluno aprende a fazer uma pausa e refletir antes de agir impulsivamente, evitando consequências indesejadas.

Uma Tarefa Coletiva: O Papel Essencial da Gestão e das Famílias

O professor não pode e não deve realizar esse trabalho sozinho. A gestão da sala de aula está diretamente ligada à gestão da escola como um todo. É fundamental que exista uma parceria sólida com a equipe gestora e com as famílias.

Conforme aponta a especialista Heloísa Lück, a equipe gestora deve atuar de forma participativa e integradora, fornecendo diretrizes claras, suporte prático e os recursos necessários para que os professores tenham respaldo institucional em seu trabalho.

Da mesma forma, envolver as famílias é indispensável para criar uma rede de apoio coesa. Alinhar expectativas por meio de uma comunicação aberta e convidar os responsáveis para participar de atividades escolares fortalece a conexão entre casa e escola, o que é essencial para o desenvolvimento integral e o bem-estar dos estudantes.

Conclusão: Transformando a Sala de Aula em um Espaço de Crescimento

A transição do controle para a co-regulação representa mais do que uma mudança de estratégia; é uma transformação na cultura da sala de aula que beneficia a todos. Ao priorizar o relacionamento, a empatia e o ensino de habilidades socioemocionais, criamos as condições para que os alunos se tornem não apenas mais disciplinados, mas também mais autônomos, resilientes e conscientes. Essa abordagem não só melhora o engajamento e a aprendizagem, mas transforma o ambiente escolar em um espaço mais acolhedor, respeitoso e verdadeiramente inspirador para o crescimento de alunos e educadores.